Flávio Tavares/Hoje em Dia
Está armado o conflito: nova lei amplia atuação das Guardas Municipais
A Lei 13.022/2014 proíbe às guardas a adoção da mesma denominação hierárquica das forças militares

A ampliação das atribuições das guardas municipais de todo o país, que ganham poder de polícia e autorização para usar arma de fogo a partir de 2016, poderá instigar conflitos com outras instituições de segurança pública.
É o que avaliam especialistas, ao colocar em xeque a formação e o preparo desses agentes, contratados inicialmente para garantir a ordem em praças, postos de saúde, escolas e em repartições do município.

“Gostaria muito de ser otimista, mas acho que isso vai gerar mais problema do que solução. A mudança vai criar uma anarquia institucional, que já vemos hoje exemplificada em confrontos entre policiais civis e militares. Não acredito que isso vá ajudar a população”, afirma o coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas, Luiz Flávio Sapori.

Para que a alteração resulte em benefício e não em prejuízo, Sapori, que foi secretário de Defesa Social de Minas, reforça a necessidade de planejamento. “Isso só funciona com integração entre os agentes de segurança, integração que não é observada nem mesmo entre as polícias já atuantes. Seria muito bom se todos abrissem mão de seus interesses institucionais em prol da população, mas não acho que isso vá acontecer”.

Outro ponto também é visto com preocupação por especialistas, a partir da implantação da nova lei, publicada no Diário Oficial da União na última segunda-feira (11).
“Essas pessoas não estão preparadas para trabalhar com armas de fogo. Existe um treinamento, mas ele é falho porque elas não estão acostumadas, a teoria e a prática estão muito distantes”, explica o professor de filosofia do direito da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Aguiar.

Ex-secretário de Segurança Pública de Brasília e do Rio de Janeiro, Aguiar acredita que tratar de um ponto e ignorar o outro é demagogia. “Essa não era uma medida necessária, trata-se muito mais de uma ação com fins de espetáculo do que com objetivo de solucionar o problema. Mesmo porque as guardas têm contingentes reduzidos, sem grande influência em cidades como Rio, São Paulo e Belo Horizonte”.

CONTRAPONTO

Apesar das críticas, a lei é avaliada de forma positiva pelo governo do Estado, que prevê um aumento na integração entre as guardas municipais e as forças de segurança de Minas.
Para o secretário de Defesa Social, Marco Antônio Rebelo Romanelli, “todo o processo necessário para a potencialização do trabalho conjunto deverá ser discutido, uma vez que a lei já foi sancionada”.

Postura semelhante à adotada pela Prefeitura de Belo Horizonte. Em nota, o município informou que a aprovação da lei é uma conquista e que todos os capítulos serão analisados para adequação.
A prefeitura ressaltou que “os procedimentos administrativos para porte de armas estão em andamento, em postos de trabalhos escolhidos pela estratégia operacional”.
Categoria comemora e pede mais recursos
As alterações previstas na lei são vistas com bons olhos pela categoria, que lutava há alguns anos pelo uso de arma de fogo. O Sindicato dos Guardas Municipais (Sindguardas-MG) garante que os agentes estão preparados para atuar armados, mas que o recurso municipal voltado para a segurança pública terá que ser revisto.

“O dinheiro, algo em torno de R$ 150 milhões anuais, é muito mal administrado. O que verificamos é uma transferência desse recurso para outros entes federados”, alega o presidente do Sindguardas, Pedro Ivo Bueno.

Mesmo confiante de que as mudanças serão positivas, a categoria adianta que o efetivo atual é insuficiente. “Seriam necessários 10 mil guardas para que todas as atribuições fossem exercidas com eficiência na capital, que conta com 2.500 agentes”, afirma Bueno.

ARSENAL GUARDADO

Outra questão que também depende de viabilidade econômica é a compra de armas de fogo. Trezentos e cinquenta chegaram a ser adquiridas pela prefeitura em 2006, mas acabaram apreendidas pela PM.
Em 2012, foi aberta uma ação civil pública para investigar o caso, já que a compra ocorreu antes mesmo de haver uma autorização de uso de armas pela Guarda Municipal de Belo Horizonte.

Além disso, cartuchos de munição foram adquiridos sem licitação, o que gerou uma ação de improbidade administrativa contra o então prefeito Fernando Pimentel e o então secretário de Segurança Urbana Patrimonial Genedempsey Bicalho Cruz.

O processo ainda aguarda decisão judicial. Caso sejam condenados, eles deverão repor aos cofres públicos os R$ 481 mil gastos na compra. O arsenal está guardado na Diretoria de Apoio Logístico da PM, sob risco de deterioração.
MINIENTREVISTA
Ignácio Cano - Coordenador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ
Qual sua opinião sobre a lei que permite o uso de armas pelas guardas municipais, que também passam a ter poder de polícia?
Acho que não resolve a questão da segurança. As guardas precisam de alguns tipo de normatização. Equipará-las às polícias não é a melhor solução. Se fosse assim, seria melhor expandir as polícias.
A medida pode gerar algum tipo de disputa com outras polícias?
Na prática, já existem hoje diversos modelos de guardas no país, algumas fazem trabalho de polícia, outras não. Não vejo essa formatação de possibilidade de policiamento preventivo e ostensivo a melhor hipótese. A mudança pode potencialmente gerar algum tipo de conflito com a Polícia Militar, uma vez que dois atores vão atuar no mesmo tipo de situação.

A mudança nas atribuições da guarda é um benefício ou prejuízo?
A gente perde a possibilidade de ter um ator diferenciado na segurança pública, voltado para a questão patrimonial, com possibilidade de ação em outras áreas, como trânsito.