Secretaria Executiva – CONGM
Referente: Manifesto sobre Aprovação da PL
1332/03
Para
contextualizar nossa posição reafirmamos categoricamente que a natureza
do Estado Democrático de Direito pressupõe a pluralidade, a diversidade de
opiniões e, portanto, o respeito mútuo como condição elementar da convivência
pacífica entre cidadãos. Sendo assim, pensamos com o filósofo francês Voltaire:
Posso não concordar com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte
o seu direito de dizê-las. Reconhecemos a legitimidade de grupos e pessoas que
defendem teses que são apostas as que defendemos, este é o sentido da
democracia.
Em nossa avaliação reconhecemos que o
diálogo é da natureza da democracia e de seus processos, e que seu
resultado deve ser sempre fruto do consenso. Assim, numa sociedade
democrática o êxito coletivo dependerá da capacidade e da habilidade dialógica
de cada indivíduo. E, no stricto sensu, as casas de leis instrumentalizam esse complexo
processo de negociação manifesto na sociedade. Compreender essa complexidade
das relações políticas no Congresso Nacional nos permite vislumbrar os desafios
superáveis da democracia pelo diálogo.
A pluralidade e diversidade de interesses
da sociedade encontram sua expressão de disputas nessas casas de leis do povo,
e para avançar é imprescindível o diálogo respeitoso e construir coletivamente
um consenso, que é a unidade da diversidade.
A situação em que as Guardas do Brasil se
encontram devido à falta de regulamentação
legal reclama uma medida estruturadora de
seus níveis organizacional, funcional e doutrinária, que possa lhe dar uma
identidade, um sentido, que possa demarcar seu espaço com clareza, sem
dubiedade. Essa medida é uma lei federal.
Posto isso, vamos analisar a PL 1332/2003 e
verificar se esta responde as necessidades que consideramos fundamentais
às Guardas Municipais do Brasil, por garantir maior segurança jurídica aos seus
profissionais: Identidade; padronização; armamento funcional e pessoal;
formação baseada numa matriz curricular; prisão especial; plano de cargos,
salários e carreira com Comando próprio; autonomia Institucional e
reconhecimento da atividade policial.
1. Identidade. O que é a Guarda Civil
Municipal? Até o presente momento é limitada por um texto constitucional
muito simples à proteção de bens, serviços e instalações municipais, esperando
uma lei que a regulamente. As diversas leis municipais que formam as
tantas Guardas no Brasil não representam uma identidade, mas as identidades
que esses municípios construíram arbitrariamente, mais ou menos fiéis ao texto
constitucional. Quando falamos de identidade estamos falando do conjunto
de características e funções que sejam próprias de todas as Guardas
Municipais do país. A aprovação da lei estabelecerá a identidade nacional
das Guardas Municipais, possibilitando uma resposta única à esta primeira
questão, porque descreve suas competências e atribuições.
2. Padronização. Padronizar plenamente as
Guardas Municipais é uma tarefa demasiadamente difícil e sem possibilidade
de êxito em decorrência das peculiaridades municipais, regionais e
estaduais, mas é possível uma padronização mínima que está contemplada
nesse projeto a partir das atribuições e competências.
3. Armamento funcional e pessoal. É um
instrumento de proteção própria ou de outrem indispensável ao trabalho
policial, especialmente em um país onde a cultura da violência é tão
arraigada. Em Dezembro de 2012, a CONGM protocolou um ofício na SENASP
que foi entregue em mãos para a Secretária Nacional Regina Miki,
solicitando intervenção da Secretaria e do Ministério da Justiça no
sentido de haver uma reforma na lei 10.826, derrubando os critérios
discriminatórios baseados na população e posição geográfica para autorizar
porte de arma funcional e particular.
Nesse sentido, avaliamos que essa Lei (PL
1332/2003) avança timidamente ao ser taxativo em seu artigo 1º que toda
Guarda deverá ser armada, entretanto mantém as perversas discriminações do
Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826) que penalizam e impõem
incondicionalmente impedimentos e restrições cujas consequências são dramáticas
a muitas Guardas Municipais. Nesse quesito reconhecemos que foi mantida a injustiça
anterior.
4. Formação baseada numa matriz curricular.
Uma das formas de constituir e consolidar a identidade e a padronização
das instituições passa necessariamente pela formação, e o Projeto de Lei
em discussão sinaliza neste sentido, mas é impreciso na quantidade de horas/aulas.
Uma análise técnica permitiria o estabelecimento mínimo de horas/aulas capaz
de qualificar os profissionais operadores da segurança pública para exercer
suas atribuições e competências com eficiência.
5. Prisão especial. O Agente policial no
Brasil, de todas as Agências de segurança, é considerado inimigo pelos
criminosos, porque o objeto de interesse da segurança pública conflita com
os seus interesses, razão pela qual os profissionais desta área, policiais
ou guardas municipais, estão constantemente em risco. O trabalho em
segurança pública é, muitas vezes, difícil e “ingrato”, visto que o erro
nesta área pode ter consequências fatais, irreversíveis, além de ser comum
que tais profissionais necessitem trabalhar em atividades paralelas para
complementação salarial, aumentando-lhes a exposição ao perigo e as
chances de erro. Essa atividade profissional expõe seus trabalhadores a níveis
altíssimos de stress que provocam diversas consequências, podendo alterar
e desestabilizar comportamentos. Portanto, como os guardas municipais
também estão sujeitos a erros típicos de penalizações legais, a prisão em
separado é uma premente necessidade. Em nossa avaliação, o Projeto de Lei
em tela atende insuficientemente essa necessidade, porque pode e deve
avançar ainda mais: prever a construção de prisão específica para as
Guardas Municipais. E como contribuição, nossa sugestão é que se faça dentro da lógica dos centros
regionais de formação, reservando ala específica para o cuidado e devida
reeducação e ressocialização dos Guardas sobcustódia. Em razão da baixa
quantidade de guardas presos, essas prisões específicas regionais poderiam
atender a demanda das Guardas de todo o Estado. Esse modelo de prisão
poderia de fato atender as reais finalidades que justificam a existência
das prisões: punir e ressocializar. Sistema carcerário não é sinônimo de
vingança social.
6. Plano de cargos, salários e carreira. A
possibilidade de evolução funcional exerce um fator de motivação nas
Instituições, além de estruturá-las hierarquicamente. Contribui também
para estabelecer as condições objetivas de fortalecimento permanente da instituição
na medida em que evita a composição da carreira com indicações meramente políticas,
criando facções em constantes disputas e vulneráveis aos sentimentos de políticos
descompromissados com a sociedade e com a própria instituição. E nesse quesito
o referido Projeto de Lei apresenta avanços consideráveis, afirmando que
a carreira é única, preconizando que mesmo os cargos em comissão das
Guardas deverão ser preenchidos pelos próprios guardas, e estabelecendo
prazo para que as Guardas tenham seus respectivos comandos da
carreira.
7. Autonomia Institucional. O debate sobre
autonomia e subordinação se finda com a aprovação desse Projeto de Lei,
pois estabelece que as Guardas Municipais são subordinadas ao Chefe do
Executivo Municipal.
8. Reconhecimento da atividade policial.
Durante esses anos de movimento pela regulamentação das Guardas Municipais, um
dos elementos que fazia parte das pautas de discussões era o poder de
polícia. Em razão da ausência do dispositivo legal que descrevessem as
atividades e delimitassem competências, as dúvidas vinham de todas as
partes: da sociedade civil; de outras instituições e dos próprios guardas
municipais. E sempre era necessário fazer grandes explanações que passavam
desde o direito administrativo, pelas competências dos entes federados e
até pelo CPP a fim de convencer outros ou a si próprio. E ainda para aumentar a
confusão, diversas ações questionando na justiça as prisões e atividades
policiais das Guardas eram feitas por instituições e pessoas afetas.
Soma-se a tudo isso, ainda, as interpretações dos chefes dos executivos
municipais que ora entendiam serem as Guardas meramente patrimoniais, ora
entendiam serem polícias municipais com atuação mais abrangente nas cidades.
Para quem ainda sofria com essa situação, a PL em foco enterra definitivamente
essa discussão. Termos como: Preservação da vida, redução do sofrimento e
diminuição das perdas; patrulhamento preventivo; proteção sistêmica da população
entre outros, esgotam de uma vez por todas as discussões que giram sobre esse
tema. Inserindo as definições e ampliando os conceitos de bens, serviços
e instalações e acrescentando logradouros, esse Projeto de Lei
definitivamente ampara e dá segurança jurídica à atividade policial das
Guardas Municipais, permitindo-lhes maior contribuição para a redução e
prevenção das criminalidades e das violências.
9. A lei também poderia ter assegurado o
reconhecimento da atividade de Guarda
Municipal como atividade insalubre, penosa
e de risco, remetendo ao município, o DEVER de regulamentar a
aposentadoria especial de seus servidores;
A luz da presente análise é possível
afirmar que o Projeto de Lei 1332/2003 aprovado na Câmara dos Deputados
Federais não representa nenhuma forma de retrocesso às Guardas.
Porque ao afirmar que há retrocesso se
pressupõe que A estava no ponto 0 passando a -1, o que notoriamente não
ocorreu.
Portanto, a aprovação do Marco Federal
Regulatório, ou estatuto das Guardas Municipais foi sem dúvida um grande
avanço para o sistema de segurança pública do Brasil, considerando que a nova
lei estabeleceu normas mínimas federais à relação das Guardas Municipais com o
sistema. Também é verdade que perdemos a oportunidade de corrigir erros e
distorções do atual modelo, que continuarão a existir, mesmo com a sanção da
nova lei, a exemplo da lei 10.826 (estatuto do desarmamento) que continua
discriminando as Guardas Municipais pelo subjetivo critério populacional.
De toda sorte, a oportunidade perdida não
invalida os avanços e muito menos estabelece retrocesso em relação aquilo que
já existe hoje. Para tanto é importante continuar trabalhando forte, no
sentido de produzir argumentos embasados em relatórios técnicos e reuniões
de convencimento das autoridades brasileiras, para que os avanços possam
continuar ao longo dos próximos anos, não apenas para buscar aquilo que a lei
não alcançou, mas, para cobrar os mecanismos que garantam o próprio cumprimento
da lei.
Por fim, a Conferência Nacional das Guardas
Municipais, Entidade Representativa de Natureza Civil e Caráter Jurídico,
tendo sede em Brasília, entende que a aprovação do Substitutivo do Projeto
de lei 1332/2003 do Deputado Federal Fernando Francischini representa avanços
significativos para as Guardas Municipais do Brasil, mesmo não atendendo e não
resolvendo todos os problemas e necessidades das Guardas. A CONGM paralelamente
a aprovação já está desenvolvendo diálogos e atividades no sentido de contribuir
com a construção das condições políticas e organizativa a fim de avançar na
alteração do Estatuto do Desarmamento e demais pautas que não foram
contempladas.
Atenciosamente,
Oséias Francisco da Silva
Presidente da Conferência Nacional das
Guardas Municipais – CONGM
Guarda Civil Municipal de São Bernardo do
Campo
São Bernardo do Campo/SP, 04 de MAIO de
2014.