Jornalistas da Gazeta do Povo foram abordados cinco vezes, sempre pela Guarda Municipal. Foto reproduz uma das abortagens
Apesar de a UPS ser um projeto do governo estadual, a reportagem constatou pequena presença da Polícia Militar
04/03/2012 | 00:07Símbolo de calmaria
Na manhã de sexta-feira, dia seguinte da ocupação, Andres, 6 anos, (foto) agitava uma bandeira do Brasil no meio de uma das ruas da Vila União. O gesto parecia simbolizar a calmaria que paira sobre o bairro. O avô dele, o aposentado João Reis da Costa, 63 anos, também torce para que sejam tempos de paz. O sul-matogrossense que migrou a Curitiba há 12 anos e se instalou com a família no Uberaba tem a receita para manter a violência afastada: voltar a conviver com filhos e 11 netos e ter um bom relacionamento com os vizinhos. Para ele, a presença da polícia tende a reforçar a sensação de segurança. “Às vezes eu penso: será que dá para sair? Agora, com mais polícia, melhora”, diz.
Futuro
Líderes reclamam da falta de diálogo
A falta de diálogo entre o governo do estado e a população para deflagrar a implantação da Unidade Paraná Seguro (UPS) no Uberaba ficou evidente na fala de líderes comunitários e integrantes de entidades representativas do bairro. De um modo geral, as lideranças aprovam a iniciativa, mas ainda não sabem ao certo quais serão os próximos rumos do projeto. “Todas as informações que temos vieram por meio da imprensa. Não sabemos como vai ser”, confirma o presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do Uberaba, José Aparecido Dudu da Silva.
Teorias para as causas da violência no bairro estão na ponta da língua dos representantes dos grupos. Eles atribuem os altos índices de criminalidade ao crescimento desordenado do Uberaba – marcado por diversas áreas de invasão – e relacionam o fenômeno a falhas do governo na prestação de serviços básicos, como saúde, educação e lazer. “Nas escolas não há contraturno para atender a todas as crianças. É preciso retirar as crianças das ruas, fazer um trabalho preventivo”, defende o secretário do Conseg, Paulo Duarte, conhecido no bairro como Papai Noel.
Infraestrutura
Com a falta de infraestrutura, atividades para ocupar o tempo ocioso e perspectivas, os jovens se encontram mais vulneráveis às drogas. Na avaliação das lideranças do bairro, o tráfico está na raiz da violência. “Ninguém rouba para comprar comida para a família. Quem rouba é sempre para comprar drogas”, exemplifica Duarte.
Apesar disso, os moradores parecem otimistas e esperançosos com o futuro. “É um bairro que tinha muita violência, mas é um bairro de gente boa, de gente que trabalha e que quer construir um lugar para viver feliz. Tendo o mínimo de condições, o resto é com a gente”, diz Dudu da Silva. (DR, FA e MK)
De acordo com o comando da GM, 115 homens e mulheres, de um efetivo de 1.650, foram deslocados para apoiar o governo do estado nesse projeto piloto. Os guardas pareciam em maior volume sobretudo nos principais pontos de acesso às 12 vilas que compõem esse extremo do bairro Uberaba. No tempo em que estiveram na região de abrangência da UPS, os cinco jornalistas da Gazeta do Povo foram abordados cinco vezes nos bloqueios de segurança – todas as abordagens foram feitas pela Guarda Municipal. A equipe de jornalistas só se identificava depois de concluída a abordagem, uma forma de avaliar o trabalho prestado à comunidade. Nos cinco episódios o contato foi respeitoso.
Para Edna Paixão da Silva dos Santos, líder comunitária da Vila Icaraí, a Guarda Municipal é referência de bom atendimento. “Quando preciso de algo, ligo para eles”, conta. Ela explica que até as abordagens ou “gerais” realizadas pela Guarda ocorrem com respeito e educação. “A polícia já chega querendo bater”, resume.
Avanços e retrocessos
O tráfico no Paraná avança porque, capitalizados pela venda de drogas, os marginais buscam se instalar nos vazios do Estado, que não são poucos. Curitiba, por exemplo, tem 258 ocupações irregulares, áreas preferidas por eles para manter os negócios. Não por acaso, essas localidades concentram os maiores índices de violência.
Talvez pela distância, a polícia raramente aparece. Soa como um problema menor se comparado ao que se vê nos morros cariocas, mas não é. As regras do tráfico são iguais em todo lugar. As características e os motivos dos homicídios são sempre os mesmos: jovens mortos por dívidas ou disputa de território.
Vez ou outra, o poder público esboça alguma tentativa de enfrentamento, mas o poder do tráfico é muito ramificado. As UPS são uma tentativa do Estado de evitar que se chegue ao extremo da falta de controle sobre essas áreas. Não é para menos. As taxas de homicídios são um forte indicativo de que precisa haver políticas públicas mais eficientes nesses locais.
Memórias da chacina
Pouco antes da meia-noite de quinta-feira, a atmosfera era de plena tranquilidade no bar encravado no coração da Vila União. A dona do botequim, Noemi de Cássia, assistia a uma minissérie na tevê, acompanhada de dois cães, dois gatos e de um único cliente, que bebericava uma batida de amendoim. “No meio de semana, é fraco mesmo”, resignava-se Noemi.
Mais de dois anos atrás, em novembro de 2009, o mesmo botequim foi um dos alvos da “Chacina do Uberaba”. Dos oito mortos, três estavam no bar. Nas paredes, os buracos abertos pelos tiros ainda permanecem. De lá para cá, a proprietária do estabelecimento viu o movimento despencar. Agora, com a instalação da UPS, ela parece lacônica. “Aonde vai ser [a sede da UPS]? Aqui, ninguém sabe de nada”, disse.
Habitué do bar e único cliente da noite, o pedreiro Israel Lourenço, sentiu, logo pela manhã, que a polícia estava presente no bairro: a casa em que ele mora sozinho foi revistada por policiais militares. Apesar do susto, ele avalia a ação com bons olhos. “É o serviço deles e é pra gente ter mais segurança. Agora, tem que ver se eles vão ficar por aqui. Vir só por um dia não adianta”, resume.
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