O diálogo confirma o que se tornou motivo de preocupação para a Câmara de BH: a disseminação pela capital dos jogos de azar –incluindo o do bicho–, que são enquadrados na Lei das Contravenções Penais. Mapeamento feito pelo gabinete do vereador Cabo Júlio lista 36 pontos na região Central e mais três nos bairros Santa Efigênia (Leste) e Padre Eustáquio (Noroeste).
Nas fachadas dos imóveis há placas oferecendo outros serviços, como de chaveiro e relojoeiro. Geralmente, o acesso é por apenas uma porta. A segunda opção é mantida sempre fechada. O mapeamento da Câmara não dimensiona todo o problema. O Hoje em Dia encontrou outros estabelecimentos comerciais onde a jogatina rola solta. Em um bar no Sion, na região Centro-Sul, três máquinas caça-níqueis “sugam” as moedas dos apostadores compulsivos. Os garçons chegam a destampar as cervejas e colocá-las sobre o equipamento eletrônico, servindo como chamariz.
Escândalos envolvendo bicheiros vieram à tona recentemente em Goiás, com a denúncia de ligação entre Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e o senador goiano Demóstenes Torres. No Rio de Janeiro, Aniz Abraão David, patrono da escola de samba Beija-Flor, conhecido como Anísio, foi um dos presos pela Polícia Federal, acusado de explorar o jogo do bicho.
“Com o combate mais veemente à contravenção no Rio, o problema migrou com muita força para BH. Ele está espalhando pela cidade e isso nos assusta. O jogo do bicho não está relacionado apenas às máquinas caça-níqueis e de videopoker, mas ao tráfico de drogas e armas”, ressalta Cabo Júlio.
Segundo o vereador, a migração para BH vem sendo notada nos últimos seis meses. Em março, houve audiência pública na Câmara sobre o tema. “Estamos buscando uma resposta para a passividade dos órgãos públicos diante de uma ameaça tão grave. A contravenção corre solta pela cidade e não entendemos porque ela não é combatida”.
O artigo 50 da Lei das Contravenções Penais prevê de três meses a um ano de prisão a quem estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, com ou sem pagamento de entrada. A pena é aumentada em um terço se houver envolvimento de menores de 18 anos. O artigo 58 determina de quatro meses a um ano de prisão e multa a quem explorar ou fizer apostas no jogo do bicho.
Em BH, as operações para combater o problema são feitas por meio da parceria entre o Juizado Especial Criminal, o Ministério Público Estadual (MPE), a Polícia Militar e a prefeitura. “O que fazem é enxugar gelo. São ações pontuais que não tiram os donos das bancas de circulação. As forças policiais não conseguem eliminar a estrutura descentralizada do jogo do bicho”, avalia o filósofo Robson Sávio Reis Souza, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Falta de fiscalização pode gerar CPI
A Câmara de Belo Horizonte poderá criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os motivos da falta de fiscalização nos estabelecimentos comerciais que oferecem jogo do bicho e outros de azar. “Queremos saber se há conivência da prefeitura e órgãos de segurança pública ou o entendimento de que o combate à contravenção não vale a pena por ser, em tese, um crime de menor potencial ofensivo”, afirma o vereador Cabo Júlio. Ele pretende encabeçar o pedido de CPI.
A criação da comissão exige a assinatura de um terço da Câmara, ou seja, 14 adesões dos 41 parlamentares. Cabo Júlio garante contar com 11 nomes, além dele. Segundo o vereador, um oficial que comandou o policiamento no Centro de BH afirmou ter recebido a proposta de R$ 14 mil, por mês, para fazer vistas grossas ao jogo do bicho. “O militar não aceitou, mas essa prática pode estar disseminada. A presença de policias e viaturas não inibe a contravenção no Centro”.
O vereador também informou que apresentará um projeto de lei propondo a criação de multa aos donos de imóveis alugados para fins de exploração de jogos de azar. “Serão multas pesadas, acima de R$ 50 mil, para desestimular esse tipo de aluguel”.
O coronel Rogério Andrade, comandante do policiamento da capital, preferiu não comentar a possibilidade de conivência da corporação com o jogo do bicho. Segundo ele, o debate já foi feito em audiência pública na Câmara de BH. “A Polícia Militar tem atuado em conjunto com a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual (MPE) e diversas prisões foram efetuadas. Faremos quantas operações forem necessárias. Necessitamos de uma intervenção maior para combater o problema e isso passa por uma postura bem definida da legislação”, diz. No ano passado foram apreendidas 967 máquinas de jogos de azar em BH, 18,8% menos do que as 1.192 apreensões de 2010, segundo dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds).
Nenhum representante da promotoria do Juizado Especial Criminal quis dar entrevista. Por meio de sua assessoria de imprensa, o MPE informou que executa ações cautelares de busca e apreensão com base em levantamentos feitos pela Polícia Militar em pontos de exploração de jogos. Segundo o MPE, o inciso III do artigo 173 do decreto que regulamenta o Código de Posturas Municipal concede à prefeitura o direito de fechar os estabelecimentos que oferecem a atividade ilícita, desde maio de 2011.
Na segunda e terça-feira da semana passada, o Hoje em Dia tentou contato com a juíza Flávia Birchal de Moura, coordenadora do Juizado Especial Criminal de BH, mas ela não foi localizada pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Na quarta-feira, a magistrada entrou em recesso.
A secretária-adjunta Municipal de Fiscalização, Mirian Leite Barreto, garante que os jogos de azar têm sido combatidos em BH. “De julho a dezembro de 2011, interditamos 104 pontos de forma total ou parcial. A ação é precedida de monitoramento para avaliar se o problema voltou a se instalar”, afirma.
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